Blogue do livro "Na Rota do Yankee Clipper" - de José Correia Guedes @ Chiado Editora, Lisboa. Dezembro de 2012.

O Rio Tejo vs Rio Hudson

Pedem-me uma comparação entre a feliz amaragem de um A320 no rio Hudson , na semana passada , e a tragédia do Yankee Clipper no rio Tejo , em 1943 . Óbviamente , só a nível de especulação é possível estabelecer paralelos entre dois eventos separados por 65 anos mas , no entanto , alguns princípios básicos permanecem inalterados .
No acidente de Lisboa , o Yankee Clipper tinha os motores em funcionamento e não era conhecida qualquer avaria que pudesse conduzir ao acidente . Segundo testemunhas oculares e relatos de sobreviventes , instantes antes de amarar o hidroavião da Pan Am inclinou-se ligeiramente para a esquerda , fazendo com que a ponta da asa do mesmo lado entrasse nas águas do Tejo , transformando-a em catapulta . A violência do impacto descontrolado provocou graves lesões traumáticas nalguns passageiros e a desintegração do aparelho . Para agravar a situação , não havia na zona qualquer meio de salvamento ( Portugal , anos 40 ... ) e apenas uma pequena lancha de serviço à Pan Am pode prestar algum auxílio às vítimas até que chegassem os bombeiros , também eles impreparados para um acidente deste tipo . Morreram 24 pessoas , 15 sobreviveram , algumas com graves lesões permanentes .
No rio Hudson tudo foi diferente . O Airbus tinha perdido os motores após uma colisão com um bando de pássaros e não teve outra opção senão aterrar no rio . O "checklist" que aqui junto ( parcial e desactualizado) pertence a um avião do mesmo tipo e serve para dar uma ideia dos procedimentos a executar numa situação deste tipo . Óbviamente , há items que que não podiam ser tidos em conta , tais como a direcção e altura das vagas , intensidade do vento , etc , uma vez que não havia forma de controlar o avião sem recurso aos motores , mas há outros que foram rigorosamente observados e levaram ao sucesso da operação . O principal foi "minimize roll" , ou seja , as asas permaneceram igorosamente niveladas na horizontal até ao momento do impacto na água . Os flaps também foram activados para configuração de aterragem e o trem foi mantido recolhido , como manda o checklist . Depois , foi a eficácia da evacuação por parte do pessoal de bordo , que teve uma participação fundamental no salvamento dos passageiros , isto para além da resposta imediata por parte dos serviços de emergência e da ajuda prestada por vários barcos que se encontravam nas imediações .
A última alínea deste checklist garante que a saída mais baixa do avião ( a porta de embarque traseira ) ficará durante mais de sete minutos acima da linha de água , após a amaragem . Não tenho forma de confirmar este facto , mas pelas imagens que vi , não me pareceu que fosse o caso . De qualque forma , há que enaltecer o trabalho correcto e profissional da tripulação e a extraordinária qualidade de construção do A320 .
No caso do acidente do Yankee Clipper no Tejo , o comandante , que foi um dos sobreviventes , foi considerado culpado . Humilhado e desgostoso , abandonou a Pan Am e o seu país de origem , os Estados Unidos , onde nunca mais voltou .
Herói ou vilão , as alternativas que o destino oferece a quem anda nesta vida .