Blogue do livro "Na Rota do Yankee Clipper" - de José Correia Guedes @ Chiado Editora, Lisboa. Dezembro de 2012.

A Aviação e o Tejo , por António Rúbio

" ... Tudo começou no século XVIII com o padre Bartolomeu de Gusmão e a sua Passarola que dariam muito que falar . Quanto à veracidade das evoluções do aeróstato no Terreiro do Paço, gravuras existem - muitas da Passarola - e alguns relatos , também . Portanto aceitemos a verdade histórica sem o rigor da pesquisa profunda, que já foi feita mas não levou a conclusões concretas.A primeira viagem aérea realizada em Portugal foi feita por um capitão italiano de nome Vicente Lunardi em 24 de Agosto de 1794 e teve como pano de fundo o rio Tejo. Lunardi também usou o Terreiro de Paço como base para a ascensão do seu balão, dando pois o privilégio a esta praça de ter testemunhado o primeiro voo de balão no nosso território.Guilherme Eugénio Robertson, aeronauta e malabarista apareceu por Lisboa e , com grande impacto e estupefacção do povo , fez o primeiro salto de pára-quedas visto por cá, saltando dum balão. Estávamos em 1819, e no ano seguinte Robertson repetiu a proeza no Porto.Depois , muitas ascensões foram vistas por Lisboa, inclusivé do primeiro aeronauta profissional português, António Infante . Também Augusto Abreu de Oliveira , Gouveia Pinto e Belchior Fonseca tiveram oportunidade de mostrar as suas capacidades .Já no século XX, António da Costa Bernardes o “Ferramenta”, tornar-se-ia muito conhecido, tendo chegado a exibir-se no Brasil.As primeiras tentativas de voo em Lisboa com aviões também tiveram o Tejo como fundo. O francês Armand Zipfel , em 1909, não passou das tentativas mas Julien Mamet em 27 de Abril de 1910 faz o primeiro voo de avião em Portugal, no campo do Hipódromo de Belém, bem perto do rio...João Gouveia, grande entusiasta da aviação, tentaria no Seixal fazer voar um avião por si inventado , ao mesmo tempo que poria no ar os seus modelos reduzidos, sendo o nosso primeiro aeromodelista.Com o passar dos anos a nossa aviação foi tomando forma e entre a Escola de Aeronáutica Militar , em Vila Nova Da Rainha , e o Centro de Aviação do Bom Sucesso (Aeronáutica Naval), sucederam-se os “brévets”, as largadas, os primeiros aviões de guerra, e os primeiros recordes de velocidade, altitude, planagem, etc..
A primeira Guerra Mundial, trouxe um grande desenvolvimento à nossa aviação, com a preparação dos nossos pilotos em França e em Inglaterra e o contacto com máquinas muito mais possantes que formariam os antecedentes de toda uma epopeia de viagens de ligação da Metrópole às ilhas adjacentes e às colónias africanas e orientais.Em 1920, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, fazem a ligação à Madeira no recém adquirido hidroavião Felixtowe, um bimotor com um raio de acção praticamente à conta para a viagem . Nas instalações aeronavais de S. Jacinto, em Aveiro, o avião foi reduzido ao mínimo peso para poder descolar da doca do Bom Sucesso a caminho do Funchal. A viagem foi um êxito, permitindo a Gago Coutinho testar os seus instrumentos de navegação e ao tenente Ortins Bettencourt fazer também experiências de comunicações via rádio.A 30 de Março de 1922, o hidroavião monomotor, “Lusitânia” descola do Tejo para a maior epopeia da aviação nacional, a travessia do Atlântico Sul.Com esta viagem os inventos e aperfeiçoamentos dos sistemas de navegação aérea de Gago Coutinho, viriam a dar um grande impulso a toda a aviação internacional, permitindo o desenvolvimento das viagens de longo curso e sobretudo a navegação sobre o mar , diurna e nocturna.Nos anos que se seguiram , muitos outros aviadores nacionais partiriam do rio para grandes viagens, muitas delas tão ou mais complicadas do que a de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.A viagem do “Argus” , a tentativa de um voo de circum-navegação aérea , foi uma autêntica luta contra as adversidades ,de tempestades a problemas técnicos , só tendo derrotado os heróicos Sarmento de Beires, Jorge Castilho e Manuel Gouveia, quando ao largo da Guiana o hidroavião Dornier se afundou , não dando hipótese de continuação duma viagem que já ia em 16.000 Kms .Sarmento de Beires e Jorge Castilho, já tinham feito a ligação Lisboa/Macau em viagem anterior mas com escalas em terra.A base da Aviação Naval , como é evidente , nunca saiu do Tejo, mas o Centro do Bom Sucesso em Belém, mudou para o Montijo, onde os hidraviões puderam conviver com os aviões convencionais . Esta base aérea ainda hoje existe no mesmo local, pertencendo agora á Força Aérea após o encerramento da Aviação Naval.
O Tejo foi também palco das amaragens e descolagens dos grandes hidroaviões das companhias de aviação comerciais . A travessia do Atlântico Norte trouxe aos Açores e a Lisboa as escalas mais importantes dos hidros da Pan American.A base desta transportadora era a doca de Cabo Ruivo, onde hoje está o Parque das Nações e mais propriamente o Oceaneário.Infelizmente, nos anos quarenta, houve um acidente com uma destas aeronaves aqui no Tejo. Uma das vítimas foi a cantora Jane Fromman, muito popular nos Estados Unidos, tendo a sua recuperação sido tema dum filme com a actriz Suzan Hayward. Deste filme surgiu uma canção que correu o mundo “I will Walk Alone”.A companhia de aviação inglesa “Aquila Airways”, fazia as ligações de Lisboa ao Funchal com hidroaviões . Esta companhia deixou de operar entre a Madeira e o Continente nos anos cinquenta. Os hidroaviões morreram na doca de Cabo Ruivo, de parceria com os de uma efémera companhia nacional, a “Artop”, tendo desaparecido um avião logo num dos primeiros voos, morrendo todos os passageiros e tripulação.
Foi pois o Tejo parte integrante da epopeia aérea portuguesa . As suas águas calmas e o seu enorme estuário, deram azo à utilização dos aviões de primeira geração, os hidroaviões, que podiam sempre recorrer à amaragem nas etapas onde não havia o apoio de campos de aviação.

"António Rubio